CULTURA - Lisboa
SÁBADO, 7 SET 2002.

“A MÚSICA É A MINHA VIDA”

HOJE NA FESTA DO “AVANTE”!
Jussara Silveira, uma das grandes vozes descobertas no Brasil na última década, fala da sua forte ligação à música.
Nuno Pacheco

Jussara Silveira chega a Portugal, com a etiqueta “revelação” colada ao nome. Mas os portugueses já a conhecem, embora talvez não saibam de onde. Porque ela é a única brasileira (entre figuras ilustres com Ney Matogrosso ou Virgínia Rodrigues) com direito a duas canções no disco “Lisboa-Rio”, do guitarrista Antônio Chainho: “Flor lunar” e “Cumpriu-se o mar”. E foi ao lado deste mestre da guitarra portuguesa que ela pisou pela primeira vez em um palco em Portugal, na apresentação do disco. Agora está de volta, mas para um palco bem diferente: a Festa do “Avante!”.

Nascida a 9 de agosto de 1959, em Nanuque, Minas Gerais, mas filha de pais baianos e com infância e juventude rodadas na Bahia, Jussara Silveira entrou num estúdio pela primeira vez quando Caetano Veloso desafiou a fazer parte dos coros no seu disco “Outras Palavras”, de 1981. Mas a música já vinha muito de trás, como ela recorda ao PÚBLICO nas vésperas do espectáculo que apresenta hoje no Seixal: “Quando dei por isso, já era cantora. Lembro-me que, mesmo criança ou na escola, sabia ver que a menina do lado cantava de uma maneira que não condizia com as notas reais da canção. Depois há a tradição de família, de muita gente cantar (o meu padrasto, segundo casamento de minha mãe, é o maestro Carlos Lacerda). Na minha casa sempre houve um violão, um piano.”

Esta proximidade ao violão ou ao piano não faz dela, no entanto, uma instrumentista: “Dou uns acordes, na guitarra que tenho lá em casa e mais nada”. Quanto a seus passos na música, ode faz carreira a tempo inteiro, sem outra ocupação ela considera que seguiu o caminho ideal: ”Não é o caminho mais comercial, em que o produtor pega num produto chamado Jussara Silveira e vai vender milhões de cópias. É o caminho inverso. E não fui eu que o escolhi, o caminho é que me escolheu. Mas é muito confortável, por que faço exactamente o que aprendi e quero”.

E o que ela aprendeu tem muito a ver com o que ouviu na infância: Caetano Veloso, Chico Buarque, Ângela Maria, Amália, mas também algum jazz, que acabou por lhe dar a chave para entender sua própria voz: “Acho que o facto de ter escutado Chet Baker e Billie Holiday e de ter feito uma ligação deles com o canto justo e sintético de João Gilberto me fez cantar sem exageros, sem virtuosismos. Acho que me descobri nisso.”

Depois de ter gravado os seus primeiros dois discos (“Jussara Silveira”, de 1996, e “Canções de Caymmi”, de 1998, ambos para a Dubas), ela chega a Portugal já com canções de um novo disco prestes a ser lançado no Brasil, “Jussara” (Gravado para a Maianga), onde canta, além de compositores brasileiros (Jorge Bem, Chico Buarque, Tom Zé, Quito Ribeiro, Lucas Santtana, Arnaldo Antunes), um fado (“Fria claridade”, do repertório de Amália) e até uma canção angolana (“Caipirinha dura”, de Teta Lando).
O facto de participar numa festa como a do “Avante!” não faz dela uma cantora de intervenção nem política (não se imagina a fazer campanhas, por exemplo). Mas tem uma opinião clara sobre as próximas Presidenciais brasileiras: “Espero que o Lula vença. Acho que ele merece. Simpatizo muito com o Presidente actual, mas acho que o Lula merece uma chance.”

A música, essa sim, é a sua mais forte paixão. Como ela diz, a terminar: “A música é a minha vida . Aproveitando o facto de haver nesta festa uma homenagem ao Jorge Amado, ele disse uma coisa que me comove muito: ‘ A alegria do nosso povo é maior do que a nossa miséria.’ Ao ouvi-lo, eu imagino a música brasileira, que sustenta isso e me sustenta também.”