A Tarde (08 de janeiro de 2001)

Mistura fina

Iza Calbo

UNIVERSAL - Rio São Paulo, segundo álbum de Zé Miguel Wisnik, sugere encontro cultural, sonoro, literário. O resultado é personalíssimo.



Zé Miguel Wisnik poderia dispensar apresentações. Mas, infelizmente, num mercado fonográfico cercado de futilidades, a qualidade passa batida para a maioria. Portanto, seguem-se as formalidades: Wisnik, 52, professor de Literatura da USP, expoente da vanguarda paulista nos 80, ao lado de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, músico, ensaísta, compositor, está lançando o segundo CD, São Paulo Rio, após um jejum de sete anos. Um trabalho delicado, rico, primoroso e (que bom!), apesar de todos os adjetivos da crítica, inclassificável.

Em tempo: no Museu Nacional de Belas Artes do Rio, Wisnik ministra, desde 1989, o curso O Som e o Sentido, que já tem versão em CD, no qual mostra elos entre estilos absolutamente distintos, como Jimi Hendrix e Bach. Brincar com estes elos aparentemente desencontrados, aliás, parece ser a tônica desse artista. Como ele comprova no recente lançamento, que, batizado Rio São Paulo, se destaca pelo sotaque inspirado de Wisnik.

Lançado exclusivamente pela internet, pelo provedor IG, o álbum, produzido por Alê Siqueira, está à venda no site www.submarino.com.br por R$ 19,90. O projeto tem apoio do publicitário Sérgio Guerra, da Link Comunicações e Propaganda, de Salvador, que acaba de criar o selo Maianga.

São Paulo Rio é um flerte bem-bolado entre música e literatura, refletido nas letras inteligentes e nos arranjos criativos, tudo harmoniosamente unido. E tem, de quebra, a participação de Arnaldo Antunes, Elza Soares, Ná Ozzeti, da baiana-mineira Jussara Silveira (propagadora de Saudade da Saudade, uma das boas parcerias do artista com Paulo Neves, registrada no primeiro CD de Jussara), além de uma ala de pastoras da Portela.

O álbum é fruto incontestável de uma pesquisa musical elaborada, com direito a sambas, choros e bossas, em diálogos acertados com ritmos diferentes. Mas, numa das entrevistas já concedidas, ele avisa: “Não há uma ruptura com meu passado musical. Minhas fusões são usuais. A conversa com a vanguarda paulistana continua, mas o que me interessa é uma música audível e compreensível, ainda que cheia de misturas.” É vero!

Além disso, traz Comida e Bebida, cantada por Elza Soares, uma interessante parceria com o diretor Zé Celso Martinez Corrêa, do teatro Oficina, com quem já fez muitas outras canções. Um chorinho brasileiríssimo, composto a partir de um fragmento de As Bacantes de Eurípedes, numa tradução fiel, com um toque, logicamente, personalíssimo. Também inspirada pelo Oficina, tem-se Rio São Paulo, feita para a peça Mistérios Gozosos, e, fechando o trabalho, as faixas Outono e Inverno, parte da série Quatro Estações. Elza Soares, Jussara Silveira e as Pastoras da Portela comparecem neste belo final com vontade de quero mais.

Por falar em Jussara, ela também empresta a voz ao choro-fado Terra Estrangeira, feito para o filme homônimo de Walter Salles e Daniela Thomas, e tem uma participação luxuosa nesse disco.

Outro belo momento é Relp, com frases que às avessas dão no mesmo, criadas pela filha de Wisnik, Marina, ou a versão para O Sol Enganador, um tango muito conhecido no leste europeu e que deu nome a um filme de Nikita Mikalkov.

Há ainda a bela poesia de Alice Ruiz em Virtual, outra vez com a voz de Jussara Silveira; Primeiro Fundamento, parceria com o filho Guilherme; e Para Elisa, escrita em parceria com o também estudioso da música Luiz Tatit, na qual é ironicamente citada Pour Elise, de Beethoven.

Fica difícil escolher qual das 16 faixas é a preferida. Todas têm um encanto especial, uma marca, um diferencial. São Paulo Rio é um álbum para ser ouvido pela ordem ou fora da ordem. Não faz diferença. Não cansa. É um exemplo de música colocada no pedestal que merece, sem devaneios. Simplesmente com o que Wisnik tem de melhor: arte.


GRAVADORA: MAIANGA
INFORMAÇÕES: WWW.SUBMARINO.COM.BR
COTAÇÃO: HHHHH