Jornal da Tarde (29 de janeiro de 1997)

Uma Cantora de Cara Limpa

Nascida em Minas e criada na Bahia, Jussara Silveria chega ao primeiro CD, influenciada pelo estilo cool de Cheta Baker e João Gilberto


Lauro Lisboa Garcia



Cantoras brasileiras volta e meia são despejadas aos montes no mercado. Muitas, no entanto, tendem a não sair do anonimato, pela simples falta de personoalidade. A meio mineira meio baiana Jussara Silveira é exceção.

Adepta do estilo nobre e sereno de Paulinho da Viola, João Gilberto, Chet Baker, Billie Holiday e Nana Caymmi - com quem melhor se identifica - Jussara freqüenta a reserva cult, a que poucos se dignam a acessar.

As poucas vezes em que se apresentou em São Paulo, no início da década, repercutiram positivamente. Agora Jussara acaba de produzir seu primeiro CD solo, um primor que também chega aos ouvidos de poucos privilegiados.

O projeto, vencedor do Prêmio Copene de Cultura e Arte, de Salvador, foi realizado com patrocínio da empresa. Foram feitas apenas mil cópias, distribuídas entre clientes e pessoas ligadas à música em dezembro. Seu objetivo principal agora é fazer o tão disputado CD chegar ao público.

Cantando compositores contemporâneos pouco conhecidos (Roberto Mendes, José Miguel Wisnik, Paquito, Duda, Beto Pellegrino, Ariston) e outros já clássicos (Caetano Veloso, Chico Buarque, Luiz Melodia, Batatinha), Jussara reafirma a tradição de grandeza musical da Bahia, terra pela qual foi adotada.

Mora no Rio, no bairro das Laranjeiras. Canta como age (ou vice-versa), dengosamente baiana, sorrateiramente mineira. Para quem identifica as cantoras baianas com a estridência inconseqüente da axé music, ela surge para alentar os bons ouvidos.

Revelou-se em 1989 num encontro com Carlos Maltez, seu diretor artístico, consultor de repertório, de moda e estilo, no Teatro Castro Alves. Maltez é para ela tão fundamental quanto o violonista Luiz Brasil, que produziu o disco Jussara Silveira.

Jussara tem contato com música desde criança, pois veio de uma família musical. " Em casa sempre teve um instrumento, minha mãe cantava superbem. Quando separou-se de meu pai casou com o maestro Carlos Lacerda."

Sua primeira gravação foi em 1983, quando fez backing vocal para Caetano Veloso em Outras Palavras. Nessa época participou do carnaval baiano cantando no Bloco Eva. "A partir daí descbri que não tinha competência para fazer música de carnaval, embora tenha adorado a experiência."

Entre outras experiências marcantes, fez programação para a Rádio Educadora da Bahia, em 83. "Foi onde conheci muita gente por meio dos discos. Como era uma rádio alternativa não tinh a obrigação de tocar sucessos. Então podia variar muito, tinha a liberdade de misturar, por exemplo, Paralamas do Sucesso com Clementina de Jesus."

Quando estudava na Universidade Federal da Bahia, a professora Adriana Widmer achou que ela podia fazer música de câmara. Ela diz que estudou técnica uma época, mas nunca apresentou-se como camerista. "sou da canção popular desde que me entendo por gente. Aos 10 anos cantava tudo de Caetano (Veloso), Chico (Buarque), ficava comovida com No Dia em Que Vim me Embora (de Caetano)."


Jornal da Tarde - Quais são os seus planos em relação ao isco que acaba de fazer?

Jussara Silveira - Quero lançá-lo comercialmente, com certa urgência. Vamos fazer o primeiro show de lançamento dia 16 de abril no Teatro Castro Alves (Salvador). Depois quero viajar para São Paulo, Rio e para o exterior.

Já tem gravadora interessada em lançar o CD?

Recebi convite da Flora Gil, para lança-lo pela GG, que é distribuída pela Warner. Outra opção é o selo Dubas, de Ronaldo Bastos, que é bom de trabalhar. Mandei o disco para a Velas também. Se alguma empresa se animar...

Você passa pelas mesmas dificuldades de outros artistas iniciantes que não fazem música descartável. Qual a sua opinião em relação ao mercado?

O processo com essa turma do mercado fonográfico é enrolado. Quando querem, eles fazem uma coisa da noite para o dia. Não posso opinar. O que não entendo é de mercado. Se a gente canta, quer fazer discos para serem vendidos, mas eu nunca corri atrás das coisas para isso. Às vezes uma canção não quer dizer nada para os produtores, mas de repente ele acha que a música é o máximo, que vai estourar. Minha gravação de A Dama do Cassino (Caetano Veloso) até entrou na trilha da novela Irmãos Coragem.

Quer dizer que você não nega a tradição baiana de não ter pressa?

Tudo na minha carreira vem se desenvolvendo num processo de lentidão, gradualmente. É uma coisa pessoal. O lançamento do disco a resposta das pessoas vieram no momento certo.

Você tem essa característica, mas o desinteresse das gravadoras por novidades não é um empecilho?

Não tenho fome de sucesso. Pelo lado do mercado não sei direito o que emperra. Claro que tem a vaidade, desejo de alcançar tudo. Tem muita gente que merece muita coisa. Muitos que não merecem conseguem sucesso também.

O que há de melhor nisso, que te faz ir adiante?

É o trabalho em equipe, com as pessoas que trabalham comigo, Carlos Maltez, Augusto Machado (artista gráfico), Maria Sampaio (fotógrafa). O que me leva adiante é a amizade, é ter amigos competentes. É ótimo chegar em São Paulo e ser recebida de braços abertos. É o Zé Miguel Wisnik dizer que sentiu necessidade de escrever uma canção para mim. Acho o máximo isso. O intérprete vive do compositor. Tenho a graça de ter grandes compositores por perto.

Justamente por isso você deve ter muitas opções. Como procede para dar unidade ao repertório?

De certa forma é difícil. São muitas canções, poderia conseguir unidade com 30 delas. Costumo dizer que elas ficam em volta de mim e oportunamente entram no meu trabalho. Todas tratam basicamente de sentimento humano, algumas de amor. Às vezes escolho pelo compositor.

Como você imprime nelas uma marca pessoal, sua?

Pela maneira de cantar. No primeiro show que fiz em São Paulo, só com músicas de Paulo Vanzoloni, a primeira canção chamava-se Cara Limpa. O que me identifica é esse título. Não fico cantando sucesso. A marca pessoal vem quando você descobre a canção e se descobre nela.

Você tem Chat Baker e Billie Holiday como principais influências. Considera brasileira a característica mais forte de seu trabalho?

Faço música brasileira, mas acima de tudo sou da canção popular. A primeira gravação minha que tocou no rádio foi uma versão tecnopop de Al Di La. A fita rodou em rádios da Bahia, Minas e Brasília, usava para divulgar o show. Para cantá-la no palco eu me vestia como um candelabro italiano. Foi idéia do Carlos Maltez, que entre outras coisas é meu consultor linguístico e de moda.

O que mais falta às cantoras brasileiras, aliás, éconsultor de moda. Por que a maioria delas se veste tão mal?

Eu não me visto mal. Já fiz coisas mais loucas. Quando cantava Touradas em Madri, num show patrocinado pela Casa de Espanha e pelos brinquedos Estrela, me vestia de toureiro no meio de bonecas Barbies. Uma coisa meio Pedro Almodovar.

Mas isso é um momento específico dentro de um show, eu digo que as cantoras se vestem mal em geral, não quando estão fazendo cenas como essa.

Acho que é muito pessoal. Até para usar uma franja de cristal pesadíssima de candelabro você tem que se sentir bem. É muito relativo. Já escreveram que eu estava horrorosa usando uma determinada roupa com a qual eu estava me sentindo uma rainha. Acho que quem escreveu não é especializado em moda. Adorei os vestidos de Maria Bethânia e de Elba Ramalho em seus últimos shows.

Como você faz para se manter em forma musicalmente?

No dia-a-dia não sou muito cuidadosa. Mas tenho uma professora, Maria Helena Bezzi, de 74 anos, que me dá aula de técnica vocal três vezes por semana. O que fazemos é basicamente trabalhar respiração. Tomo sorvete, bebo cerveja, fumo de vez em quando. Não cheiro cocaína, faço minhas farras mas sou comedida. E tenho sorte de não Ter problemas de garganta.

Você vive só de música?

Sim, fazendo shows, gravações, participando de eventos. Gravei com Elba Ramalho, fiz bastante backing vocals para outros cantores. Já cantei até para o Rei Hassam, no Marrocos. Trabalhei em estúdio de inglês em São Paulo, quando morei aqui em 1990. Claro que não tenho mansões nem carrões , mas vivo bem.

Como você avalia o panorama musical no Brasil atualmente?

É animador, tem muita gente boa produzindo, fazendo o que quer. Nunca me interessei por esses gráficos que apontam em que nível está a música brasileira. Para mim sempre esteve em alta. Há fases diferentes. Numa época o que tocava no rádio era Vinícius de Moraes. Hoje temos Chico Science, que é uma das melhores coisas que surgiram nos últimos anos. Acho Arnaldo Antunes genial, adora Nando Reis, o trabalho de Lenine & Suizano. O disco de Belô Veloso é lindo, ela tem a marca da grande intérprete. Posso falar de compositores como Paquito, Jota Velloso, Wisnik, Geraldo Azevedo, que quero que me acompanhem sempre.

Curriculum

Nome: Jussara Maria Silveira Ferreira
Data de nascimento: 09 de agosto de 1959
Local de nascimento: Nanuque - MG
Pais: Geraldo José Ferreira e Irani Cândido Silveira
Estado civil: solteira
Religião: "Formação católica e respeito profundo pelo candomblé. Não sou exatamente praticante mas gosto de ir à missa e saudar meu orixá."
Orixá: Oxóssi
Signo: Leão
Escolaridade: "Cheguei a prestar vestibular para Lestras"
Cursos especializados: Curso preparatório de música na Universidade Federal da Bahia e Academia de Música Atual
Influências musicais: Chat Baker, Billie Holiday, Nana Caymmi, João Gilberto, Paulinho da Viola
Discografia: Jussara Silveira, independente (1996); Ironia, de Batatinha, faixa do disco-tributo ao compositor baiano (1996); Dama do Cassino, de Caetano Veloso, faixa do disco coletivo Elas Cantam Caetano (Continental, 1994)
Hobby: Nadar e ir ao cinema, mas nada muito organizado.