Folha da Bahia (19 de agosto de 2000)

Explode, coração!

Marcos Uzel

Maria Bethânia se emocionou. Também não era para menos. Sua fidelíssima platéia se derramou, fez coro sem cerimônia, acompanhou na palminha da mão, aplaudiu longamente, chorou e, no meio dos indefectíveis gritos de "maravilhosa" e "poderosa", só faltou colocá-la no colo. Anfitriã cordial e elegante, ela deve ter achado pouco agradecer apenas com a sua habitual - e personalíssima - frase "obrigada, senhores!". Eram mais de 22h de anteontem, os holofotes da Concha Acústica do TCA já estavam desligados e Bethânia estava indo embora quando, para surpresa geral, parou diante do portão no fundo do palco, disposta a cumprimentar e conversar de perto com os fãs que insistiram em ficar para arrancar um autógrafo. Ganharam mais.

Pouco antes, no camarim, a madrinha do show de abertura do projeto Caixa Acústica - Mulheres comemorou, feliz, o sucesso da estréia. Os bastidores estavam tão animados, que houve até serenata de Alcione exclusivamente para Fernanda Montenegro. Esse foi o desfecho de um show especial, feminino e saudavelmente bairrista - as homenagens à Bahia permearam todo o repertório.

"O Brasil é um país de cantoras", sintetizou Bethânia, dando a senha para a entrada em cena de Vania Abreu, Jussara Silveira e da sobrinha e afilhada, Belô Velloso. E elas foram entrando nervosas, enquanto a madrinha, à sua maneira teatral, procurava deixá-las à vontade. Sentada num banquinho à esquerda do palco, de pernas cruzadas, e volta e meia arrumando os cabelos, a atenta espectadora Bethânia saudava cada solo de suas convidadas com entusiasmo.

Discreta e delicada, Vania pôs sua suavidade vocal em sintonia com o coro do público para a canção Mais de mim. O coração deve ter disparado - e acalmado - diante de tanta cumplicidade.Na vez de Jussara Silveira, aparentemente mais tranqüila, outra calorosa recepção, desta vez para A dama do cassino, o grande hit de sua longa estrada de shows e dois discos de grande qualidade no currículo. Belô Velloso, por razões naturais, foi a que mais evidenciou o nervosismo de dividir o palco com a tia.

Empatia maior foi o encontro entre Maria Bethânia e Alcione, a primeira convidada a ser recebida no palco. Velhas amigas, a Marrom e a anfitriã do show ficaram muito à vontade para relembrar antigos encontros de estúdio, como o que rendeu a gravação de O meu amor, de Chico Buarque. "Várias coisas nos unem, mas o principal é o amor que temos pela verde-e-rosa", ressaltou Bethânia para, então, levantar a platéia no samba em homenagem à carioca Mangueira.

Mas a cidade louvada no palco foi mesmo Salvador. De Bahia com H a É D’Oxum, não faltaram hinos. Tampouco o romantismo rasgado de Maria Bethânia, que preparou um repertório sob medida com seus grandes hits. O público, claro, adorou. E cantou Grito de alerta, Explode coração, Fera ferida... Em Terezinha, a cantora não resistiu à tietagem: "muito obrigada, senhores. Vocês cantaram lindo". E lindo também foi o duo com Vania em Onde estará o meu amor, o solo para Carcará e, claro, o final com muitos abraços no palco e os versos de O que é, síntese de uma noite inteiramente pontuada pelo viés da emoção, com todos os seus inevitáveis e deliciosos exageros.