Folha de São Paulo . Ilustrada
13 de julho 2007.

Em série de concertos, pianista atualiza obra de Schubert

ALVARO MACHADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Soteropolitanos sortudos. Tornaram-se vizinhos de Maria João Pires que, há um ano, após "grande decepção em sua vida artística" e um infarto do miocárdio, mudou-se de Lisboa para Lauro de Freitas, ao norte de Salvador.

Assim, uma das maiores pianistas da atualidade, raridade nos palcos europeus, aparece às vezes em concertos com a Sinfônica da Bahia e adapta o projeto educacional e musical que criou em Portugal, o Centro de Estudos de Belgais, para crianças capoeiristas de um bairro carente, inicialmente reformando-lhes a casa e "organizando o lanche".

Espanhóis ainda mais afortunados. Assistem, de hoje a domingo, no impressionante palácio de El Escorial, nas cercanias de Madri, à "Schubertíade", tríade de espetáculos cênico-musicais concebidos por Maria João, com a participação de cinco brasileiros entre 17 nomes. A série integra um programa "transdisciplinar" batizado de Art Impressions, que, além da linguagem inovadora, reveste-se de "missão ética" ao abordar o tema da "transmissão entre gerações, culturas e indivíduos, num mundo dominado por um neoliberalismo avassalador, com conseqüências de miséria e regressão moral".

Discurso duro para o melódico Schubert, que soará em abordagens clássicas, por Maria João e seu parceiro em piano a quatro mãos, o baiano Ricardo Castro, além de quarteto de cordas, mas também jazzificado (pelo pianista português Bernardo Sassetti), em forma de pantomima (com ator e músicos sob a direção de Márcio Aurélio) e revisitado por três novos compositores-sensação no universo da erudita.

O niteroiense André Mehmari transformou a "Viagem de Inverno" em "Canção de Verão"; o japonês Dai Fujikura desconstruiu o quarteto "A Morte e a Donzela"; e, com ritmos tribais, o sul-africano Bongani Ndodana-Breen converteu "Truta" em "Peixe da África Austral".

A ousadia mariajoanina não pára por aí: propõe Jussara Silveira cantando lieder sem empostação lírica -porém com o "saber dizer" próprio dessa intérprete, elemento tão caro à tradição musical vienense. Foi ouvindo Chico Buarque pelo timbre de Jussara que a pianista encontrou "a voz popular de Schubert".

Chamou então o violonista e articulista da Folha Arthur Nestrovski para dar letras novas a seis canções de 200 anos, que passaram a ecoar Jobim e Caymmi. "A incomparável MPB é a melhor escolha para representar hoje o lado popular de Schubert, que, de compositor da intimidade, presta-se agora a um movimento de expansão, podendo sua alma ser encontrada em qualquer lugar do mundo", diz a pianista. Sua "Schubertíade" tem turnês previstas na Alemanha e na América Latina no ano que vem.